A inconstitucionalidade da não regulamentação da Cannabis

Produtos narcóticos eram legalizados até o século XIX e, devido a consequências nocivas à saúde e ao alto grau de consumo, levaram à instituição de normas proibitivas de sua produção, comercialização e consumo. Contudo, no  decorrer do século XX, avanços no campo da ciência demonstraram que existe um potencial de uso farmacêutico para substâncias anteriormente consideradas apenas como entorpecentes.  (SILVA 2015).

Assim, passaram-se a ponderar as proibições,  controles do uso e comercialização dessas substâncias com a possibilidade de ter-se a autorização da produção e uso dessas mesmas drogas para fins medicinais e científicos. Dessa forma, o combate às mazelas causadas pelo narcotráfico é conjugado com os benefícios sociais possíveis de serem extraídos de tais produtos; fórmula normativa essa que foi aderida por diversos países como Canadá, Holanda e EUA, bem como convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário (SILVA 2015).

Ao ser constituída entre os anos de 1987 e 1988, a Constituição Federal adotou o projeto de Estado que tem como propósito alcançar os objetivos previstos no Artigo 3º, da mesmas assentadas nos fundamentos do Artigo 1º:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;         (Vide Lei nº 13.874, de 2019)

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

(…)

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Logo, toda a Constituição Federal visa garantir o alcance desses objetivos e consolidar os fundamentos previstos no Art.1, devendo ser essa a interpretação adotada como aquilo que viria a ser o interesse público daquilo que o Estado deveria vir a perseguir. Assim, a Constituição Federal visa a concretização de Direitos (CARDOSO E MELO et al 2015).

Nesse caminhar, nossa Carta Maior estabelece uma série de direitos fundamentais, entre os quais está o direito à saúde, no Artigo 196. Por ser elemento estruturante do Estado Democrático de Direito, esse direito deve ser ponderado com os demais de modo a se ter a máxima efetividade possível, a fim de alcançar os objetivos constitucionais e concretizar o perfil de nação que a Constituição prevê.

 

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

  Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”  

 

Percebe-se que a Carta Maior confere ao Estado tanto o poder regulamentador como o poder de polícia, para garantir o alcance do interesse público que, no caso da saúde, é oferecer maior efetividade no acesso aos recursos, para se promover os objetivos e fundamentos previstos por lei. E dentro da temática de produção, circulação e consumo de substâncias psicoativas e entorpecentes, o Estado, então, consiste em equilibrar as medidas restritivas com as que possibilitam e estimulam a extração dos benefícios sociais advindos dessas substâncias, incluindo a Cannabis, como o uso medicinal. Dito isso, podemos perceber que a lei das drogas 11343/2006 possibilita que haja regulamentação da Cannabis conforme se verifica:

“Art. 2º Ficam proibidas, em todo o território nacional, as drogas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso.

Parágrafo único. Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização, respeitadas as ressalvas supramencionadas.” (grifos nossos)

 

Essa regulamentação em tese deveria advir da Agência Nacional 9782/99, que instituiu a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que possui a competência com base nos artigos 7° inciso VII e no artigo 8° de proceder a regulamentação em análise conforme se verifica:

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: 

(…)

VII – autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 8o  desta Lei e de comercialização de medicamentos

(…)

Art. 8º Incumbe à Agência, respeitada a legislação em vigor, regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública.” (original sem grifos)

 Por isso, é inequívoco que a União seja o ente federado competente para regulamentar a matéria em questão, devendo partir tal regulamentação de atos administrativos da ANVISA. Todavia, nada impede que essa regulamentação advenha de um ato da Presidência da República tal como medida provisória ou decreto federal, podendo ser este inclusive autônomo (art. 84, IV CF), ou de uma lei por iniciativa do Congresso Nacional.

Neste sentido, já foi anteriormente assentado que, no tocante à temática de fabricação, circulação e comercialização de substâncias psicoativas e entorpecentes, incluindo-se aqui a Cannabis, o melhor meio de maximizar o direito à saúde e se alcançar os fins constitucionais é conjugar normas restritivas para combater o perigo social com regramentos que possibilitam seu uso para fins medicinais e científicos. 

A não regulamentação acarreta em obstáculos para a concretização do direito e vai na contramão do projeto de nação e de Estado que os constituintes de 1988 adotaram para esse país. Posto que dificulta o acesso à saúde, tornando mais distante a promoção da dignidade da pessoa humana. De igual modo veda a regularização de toda uma cadeia produtiva capaz de gerar emprego e distribuir renda, indo certamente na direção oposta ao alcance do objetivo constitucional de promover o desenvolvimento nacional e da erradicação da pobreza e da marginalização, bem como redução da desigualdade social e regional.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

SILVA, Do Nascimento Joyce Keli. O CONTROLE DE SUBSTÂNCIAS ILEGAIS: OS TRATADOS INTERNACIONAIS ANTIDROGAS E AS REPERCUSSÕES SOBRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. CS Online-Revista Eletrônica de Ciências Sociais, n. 20, 2015.Disponível em< file:///C:/Users/usuario/Downloads/17400-Texto%20do%20artigo-73489-1-10-20170925%20(2).pdf> Acessado em:02/02/2022 

 

CARDOSO, Henrique Ribeiro et al. O INTERESSE PÚBLICO E A SUSTENTABILIDADE DO PROJETO CONSTITUCIONAL. Revista Jurídica, v. 2, n. 39, p. 496-520, 2015. Disponível em < file:///C:/Users/usuario/Downloads/1549-4955-1-PB%20(1).pdf> Acessado em 02/02/2022

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.Diário Oficial da União, Brasília: 5/10/1988

 

BRASIL. LEI Nº 11.343, DE AGOSTO DE 2006. Institui o Sistema Nacional de

Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas;

estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Ofícial da União, Brasília: 24/08/2016

 

BRASIL. Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Cria a Agência Nacional de

Vigilância Sanitária, define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e dá outras

providências. Brasília. Diário Oficial União, 11 de fevereiro de 1996.

 

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