A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) encerrou o prazo para as contribuições da Consulta Pública para a portaria que visa regulamentar a produção de Cannabis (popularmente conhecida como maconha) para fins medicinais e científicos no Brasil. Ao todo somaram-se 554 contribuições e a próxima etapa consiste na apreciação das sugestões pelas diretorias que irão tomar uma decisão final sobre o tema. A Agência tem em suas atribuições legais o poder de decidir sobre a fabricação e controle de medicamentos e independe da aprovação federal ou do congresso. Se você ainda não conhece a proposta oficial da ANVISA, clique aqui e veja o texto que preparamos com os principais pontos.
Por maior que possam ser as críticas à primeira proposta, é inegável o grande passo social e econômico que a regulamentação trará para o Brasil. A proposta traz consigo ganhos sociais imensuráveis para muitas famílias que dependem dos produtos contendo princípios ativos provenientes da Cannabis para tratamento medicinal. E além disso, o Brasil considerado um país agrícola, expressa um potencial promissor para o desenvolvimento da cultura que certamente terá um papel expressivo no agronegócio nacional.
A ADWA Cannabis, em parceria com a Universidade Federal de Viçosa e com o apoio do Grupo Brasileiro de Estudos sobre a Cannabis sativa L. (CNPq) também contribuiu para o processo de Consulta Pública. Nossa sugestão aborda a necessidade da participação de instituições que tenham o respaldo e reconhecimento científico em pesquisa na área de Ciências Agrárias, para construção de normas sólidas, responsáveis e que não tornem limitadas as pesquisas sobre essa cultura agrícola. Além disso também foram indicados quesitos que podem contribuir com questões técnicas, de segurança e redução dos custos em relação aos cultivos.
Entre as suas sugestões podemos elencar:
1º – A inclusão do termo Cannabis Industrial, estabelecido pela ONU através do manual “Recommended methods for the identification and analysis of cannabis and cannabis products” publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) em 2009, que se refere a variedades de Cannabis sativa L. cujo teor de Δ⁹-tetra-hidrocanabinol (THC) seja menor ou igual a 0,3%.
Estas variedades são popularmente conhecidas como cânhamo ou hemp. Devido ao valor insignificante deste princípio ativo, estas variedades não permitem seu uso como psicotrópico e possuem grande potencial de uso medicinal devido à presença de outros compostos químicos como o canabidiol (CBD). O manual é o documento oficial da UNODC, órgão responsável pelas diretrizes relacionadas às substâncias psicotrópicas ou proscritas, reconhecido e adotado pela ONU, cujo objetivo é a “identificação e análises de vários tipos de drogas sobre controle internacional” (UNODC, 2009).
Portanto é necessário que o Brasil, enquanto signatário das convenções da ONU, e especificamente a ANVISA, enquanto órgão regulador em relação às substâncias consideradas proscritas no país e que já adota as normativas da ONU para a elaboração das suas diretrizes, adeque-se em relação à classificação internacional das diversas variedades de Cannabis spp.
2º – A inclusão da definição do termo Plantio de Cannabis de Acesso Público (PCAP), que se refere aos cultivos das variedades definidas como Cannabis Industrial e que, devido ao valor insignificante do princípio ativo Δ⁹-tetra-hidrocanabinol (THC) não permitem seu uso como psicotrópico (UNODC, 2009) e não necessitam da mesma infraestrutura de segurança em relação às demais variedades de Cannabis sativa L. A Cannabis Industrial possui diversos outros canabinóides não psicotrópicos e que possuem grande potencial medicinal, entre eles o canabidiol (CBD).
Portanto a redução dos custos em relação à infraestrutura necessária para o cultivo destas variedades permite reduzir significativa dos custos de produção dos medicamentos à base de Cannabis spp., sem interferir na qualidade, eficácia e segurança, tanto do medicamento, quando em relação à possibilidade de desvio das plantas e seus derivados para usos ilícitos. Esses fatores são fundamentais para que o Brasil possa tornar os tratamentos com medicamentos a base de Cannabis spp. acessíveis para toda a população que dele necessita.
3º – A possibilidade de cultivos de Cannabis sativa L. direto em condições de campo, ou seja, em ambiente “aberto”, sem o uso de casas de vegetação, apenas para fins científicos. Este sistema de cultivo, popularmente conhecido como “outdoor”, será destinado exclusivamente para fins de pesquisa científica e deverá atender a todos os demais quesitos de segurança estabelecidos pela ANVISA que impossibilitem o desvio de qualquer material utilizado durante a pesquisa.
É fundamental que sejam desenvolvidas variedades de Cannabis spp. adaptadas às condições brasileiras para que possa ser desenvolvido um sistema de produção cujo custo esteja compatível com o “custo Brasil”. Atualmente a maioria das variedades com maior demanda pelo mercado medicinal não estão adaptadas às condições de clima e solo do país, nem às pragas que possuem dinâmica totalmente diferente das pragas existentes nos países temperados.
Portanto a inviabilidade do desenvolvimento de cultivos “outdoor”, mesmo que apenas para fins de pesquisa e com variedades de Cannabis Industrial (UNODC, 2009), fará com que o Brasil permaneça dependente de importação do principal insumo para a produção que são as sementes e representam um custo significativo em qualquer projeto de produção de Cannabis spp. para uso medicinal. Outro fator que também irá impactar significativamente o custo de produção é a necessidade de infraestruturas mais sofisticadas que permitam o cultivo das variedades que são altamente produtivas, mas necessitam de condições climáticas específicas.
É de grande importância ressaltar que a Lei nº 10.711 de 2003 e o Decreto nº 5.153 de 2004, referentes ao Registro Nacional de Cultivares (RNC), torna obrigatório a realização de estudos que indiquem as regiões de adaptabilidades dos cultivares das variedades vegetais que se pretende lançar no Brasil, permitindo a produção e comercialização de sementes e mudas da espécie em questão no país (BRASIL, 2003, 2004). Segundo a legislação nacional vigente, as cultivares devem ser avaliadas antes da inscrição no RNC através dos ensaios de determinação de Valor de Cultivo e Uso (VCU) conforme as normas para cada cultura, ou ensaios de adaptabilidade quando ainda não existirem padrões definidos para a cultura em questão (BRASIL 2003, 2004).
Outro fator de extrema importância, que reforça a necessidade de que a proposta contemple cultivos diretamente no campo para fins de pesquisa, envolve a questão da interação genótipo e ambiente, que tem capacidade de interferir diretamente na estabilidade de produção quantitativa e qualitativa das culturas agrícolas (BORÉM, et al., 2017). Ou seja, um mesmo cultivar de Cannabis spp., pode apresentar produtividade e composição química distinta de acordo com o local de cultivo, já que as condições ambientais podem interferir diretamente na expressão do genótipo da variedade em questão. A resposta de genótipos a diferentes ambientes foi descrita por Bradshow (1965) como plasticidade fenotípica.
4º – Os locais de cultivo devem permitir a plena visualização de seu interior, o que favorece a segurança já que todas as atividades que estiverem sendo executadas nas áreas de cultivo podem ser facilmente visualizadas da área externa. Este tipo de sistema é utilizado em bancos, que geralmente utilizam vidros em sua fachada para facilitar a identificação de qualquer atividade irregular no interior das instalações e também em presídios de segurança máxima de países como os Estados Unidos que utilizam cercas com telas metálicas e um perímetro livre ao redor das instalações. Este tipo de sistema favorece a segurança, pois permite a visualização e monitoramento das áreas internas.
O objetivo das contribuições é tornar o processo de regulamentação mais viável e eficiente economicamente em relação à realidade brasileira. Para isso é muito importante a contribuição de instituições de pesquisas com respaldo nas áreas de Ciências Agrárias. O aumento da eficiência no uso dos recursos para produção irá reduzir custos de produção e consequentemente viabilizar produtos medicinais mais acessível ao público que faz o uso terapêutico. Por outro lado, podemos ter uma alta produção de celulose com uso da Cannabis Industrial diretamente no campo. A ADWA Cannabis também acompanha de perto este processo buscando sempre alternativas para aumentar a viabilidade dos negócios de Cannabis utilizando do potencial do nosso país para o desenvolvimento.
Atenciosamente,
Equipe ADWA Cannabis